O sistema socioeducativo em tempos de pandemia

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O sistema socioeducativo em tempos de pandemia

Desde que o contexto de pandemia mundial foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, em março, algumas providências foram tomadas para tentar conter o seu avanço. E não foi diferente no cenário da socioeducação: as Recomendações 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, recentemente atualizada pela de nº 78, bem como decretos estaduais do Rio de Janeiro incidiram sobre a organização do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) e também do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Contudo, nem sempre foram devidamente implementadas ou  e transparentes.

Nas Notas Técnicas Conjuntas nº1 e 2, elaboradas pela São Martinho/CEDECA D. Luciano Mendes, em parceria com o CEDECA RJ e com o Projeto Legal, constatou-se que no estado do Rio de Janeiro, inicialmente, o DEGASE demorou quase dois meses até começar a implementar medidas de prevenção em unidades de privação de liberdade de adolescentes.

Até meados de maio, os adolescentes estavam sem comunicação com o meio externo, uma vez que as visitas e fiscalizações foram interrompidas. Insta salientar que a incomunicabilidade, além de inviabilizar os objetivos da socioeducação ensejou cenário propício à graves violações de direitos humanos. Posteriormente, foram programadas a realização de videochamadas dos jovens com os familiares e, a partir de setembro, as visitas físicas foram retomadas, com cuidados de distanciamento. Vale ressaltar que na unidade CAI Baixada as videochamadas só passaram a ser realizadas em agosto, 6 meses depois da suspensão das visitas.

Infelizmente, a falta de transparência perdurou ao longo desses meses, em que as medidas sanitárias de cuidado em relação aos adolescentes ingressantes no sistema não foram expostas. Além disso, em reuniões com a rede parceira de instituições da sociedade civil e movimentos sociais, circulou a informação de que existia apenas 1 médico responsável por todas as unidades de internação e que pouquíssimos testes foram realizados nos adolescentes. O período também foi marcado por pouquíssimas atividades e ações socioeducativas nas unidades, o que, somado ao isolamento forçado pela privação de liberdade e relatos do aumento de práticas de tortura pelos agentes socioeducativos, gerou instabilidade entre os adolescentes. Chegaram a ocorrer algumas revoltas que deixaram adolescentes gravemente feridos.

As medidas de semiliberdade e liberdade assistida ficaram suspensas nesses meses, como forma de garantir a prevenção à disseminação do vírus. Alguns CREAS fizeram acompanhamento remoto, por telefone, de adolescentes, mas não conseguiram dar conta de todos. Além disso, unidades de semiliberdade distribuíram cestas básicas para as famílias de adolescentes com medidas suspensas, ação que saudamos enquanto exitosa. O questionamento que fica, agora, é a (des)necessidade de retorno desses jovens para o sistema, depois de terem passado 8 meses em casa, sem reincidir em novos atos.

Outra problemática que foi – e continua sendo – enfrentada neste período é a questão das audiências virtuais. Estas, segundo pesquisa realizada e demonstrada nas Notas Técnicas Conjuntas, não foram unificadas como prática nas comarcas do estado do Rio e, pior, representam grande violação aos direitos aos adolescentes. Primeiro, porque cerceiam a defesa pela dificuldade de comunicação prévia, sigilosa e segura com eles/as. Segundo, porque colocam em risco sua imagem, que pode acabar sendo divulgada, apesar da determinação de sigilo processual destes casos.

Ademais, as videoconferências tendem a reforçar lógicas racistas de perfilamento racial já arraigadas no sistema de justiça infracional. Constitui, portanto, mais uma engrenagem na máquina judicial de encarcerar a juventude negra e periférica, baseada na lógica supremacista branca que funda o sistema de justiça. Isto posto, observamos a implementação das videoconferências como uma grave violação ao direitos que irá gerar impactos extremamente gravosos à curto, médio e longo prazo.

Por fim, a proposta de Emenda Constitucional – PEC 33/2020, foi outro problema que se fez presente. Após a recomendação da Comissão de Constituição e Justiça apontar pela inconstitucionalidade da PEC, a maioria dos deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro votaram pela sua aprovação para que o DEGASE passe a compor a Secretaria de Segurança Pública, descaracterizando a atividade básica do agente, que é a socioeducação.

O período da pandemia representou uma dificuldade geral em relação a efetivação de direitos de crianças e adolescentes. Especialmente, no que tange à socioeducação e à privação de liberdade de adolescentes, resta nítido que esse período foi marcado por retrocessos e dificuldades para aqueles que cumprem isolamento social forçado pelo Estado.

Natasha Martin Lauletta
Advogada do CEDECA D. Luciano, da São Martinho, e mestranda em Direito pela PUC-Rio

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